sexta-feira, 31 de maio de 2013

Double Fine... ou nem tanto...

Bem, há algum tempo havia saído o teaser do jogo Broken Age (BA). Aqui está o link para o vídeo no YouTube. Foi este vídeo que me inspirou a escrever este texto.
Pra quem não sabe, BA é um point & click adventure (assim como Full ThrottleMonkey Island e tantos outros) e foi, acredito eu, o jogo que inaugurou a presença de estúdios renomados no Kick Starter.
Além disso, ontem, dia 30 de maio de 2013, foi o dia em que o pessoal da Double Fine colocou no Kick Starter um segundo projeto: o Massive Chalice.Duas coisas importantes aqui:1. Kick Starter: é um site de crowd funding (ou financiamento coletivo). Você faz um vídeo ou um texto mostrando como é seu projeto, quem está nele, o motivo de você procurar o financiamento coletivo e por que as pessoas devem dar dinheiro para sua realização. Daí é só colocar esse vídeo ou texto no Kick Starter e internautas podem doar recursos financeiros, através deste site, para que sua ideia seja desenvolvida. Duas coisas importantes (de novo): no site você tem um tempo limite para aceitar doações e não recebe nada do dinheiro se o total não alcançar o mínimo estipulado inicialmente para o projeto.  Além disso, um detalhe menor, as pessoas que doam algum dinheiro para o projeto são chamadas, em inglês, de backers.Bom, o vídeo pedindo grana para o BA está aqui - apesar do projeto não receber mais dinheiro desta maneira.2. O sucesso alcançado pela Double Fine para o projeto BA: eles queriam Us$ 400.000 e conseguiram mais de Us$ 3.000.000. Supimpa.Para quem não entende o mercado de jogos de computador e vídeo game, a coisa funciona mais ou menos assim:- o que eu estou chamando de estúdio é o lugar, a empresa aonde os jogos são feitos;- para um estúdio fazer um jogo existem, basicamente, duas possibilidades: a primeira é o estúdio montar o projeto e tentar convencer uma publisher (que, em português, eu vou traduzir como distribuidora) a bancar o projeto e a segunda é quando uma distribuidora encomenda um jogo;- a distribuidora é onde o dinheiro está. É a mega empresa que tem a capacidade de fazer propaganda e distribuir o jogo pelo mundo todo. Assim, sem ela, não existe jogo;- a distribuidora também põe o dedinho na produção do jogo de modo a direcioná-la ao que eles esperam que venda mais;- e, no fim da história, as distribuidoras normalmente ficam com os direitos de publicação sobre o projeto que elas financiaram.Além disso, existe a produção de jogos independentes (ou Indie), aonde os estúdios fazem um jogo sem uma distribuidora e se viram com a propaganda e a disponibilização deste por onde eles conseguirem. Este processo foi bastante facilitado quando surgiu a distribuição digital (Distribuição Digital - Wikipedia) e, principalmente, com a criação de prestadores deste serviço como o Desura e o Steam.Moral da história: as distribuidoras são más e a produção de jogos independentes é boa!MENTIRA! As distribuidoras não são más, porém o principal objetivo delas é o retorno financeiro. Assim, para uma delas financiar ou encomendar um projeto com um estúdio vai acontecer uma pesquisa de mercado e o jogo vai ser mudado em alguns detalhes de maneira a atender um público alvo maior e o lucro gerado, espera-se, também aumentará. Logo, de maneira genérica, dificilmente uma distribuidora vai financiar um projeto de médio porte, pois o retorno financeiro provavelmente será de médio porte.No nosso mundo, uma empresa não sobrevive se não tiver lucro. Ela tem que ganhar mais do que ela gasta para continuar no mercado (o que faz algum sentido). Pra mim, o problema é o mercado de ações (que não faz o menor sentido), mas eu não pretendo abordar isso aqui.Continuando, uma maneira de passar pelas distribuidoras e chegar direto ao público é usando financiamento coletivo, o que a galera do Double Fine fez com maestria. Sendo o último grande jogo desse estúdio "Brutal Legend" e tendo uma equipe perfeitamente capaz, o que inclui o criador do gênero point & click, alcançar Us$ 400.000 em 30 dias era uma coisa esperada. Falando em “Brutal Legend”, ele também é o culpado desse estúdio procurar o financiamento coletivo, pois deu problemas enormes com uma das distribuidoras envolvidas (que coisa, não?!).Agora, depois dessa introdução homérica, eu vou desenvolver meu ponto de vista: é muito legal ver projetos como BA sendo financiados sem distribuidoras. É muito legal ver que o estúdio superou dificuldades financeiras dessa maneira e está em um projeto elaborado por eles mesmos, com total e absoluta liberdade criativa. É muito legal também que eles estão fazendo um documentário sobre todo o processo. O que me deixa puto é que eles estão tomando uma postura exatamente igual ao de uma distribuidora. Já que eles estão recebendo dinheiro de maneira alternativa, eles poderiam, também, agir de maneira alternativa. E me deixa puto, também, que ao agir como uma distribuidora, eles acabaram perdendo chances de publicidade.Neste vídeo, durante um evento chamado GDC Awards, Tim Schafer, o cara que lidera o projeto, reitera minha opinião com uma piada (que não é tão piada assim). Sua fala é mais ou menos essa: "Temos algum backer na platéia? Por favor, backers, levantem a mão. Agora ponham a mão para o lado e tapem os olhos de um não-backer". Depois disso, o teaser do BA é passado em um telão.Aí, você entra no site dos caras e vê uma lista de coisas liberadas somente para backers. Uma pessoa que está vendo tudo isso pela primeira vez há pouco tempo (o que aconteceu comigo) quer ver mais, quer entender mais. Mas não dá, você tem que comprar o produto dos caras primeiro.
Enfim, eu estou há três meses fissurado pelo universo de jogos independentes e tenho visitado muitos sites, comprado alguns jogos (meu steam tem 29 jogos independentes) e, por mais incrível que pareça, só fui encontrar alguma coisa a respeito do BA há um mês. Eu passei dois meses só jogando e lendo sobre jogos independentes e não tinha sequer ouvido falar deste jogo.
Sendo o primeiro estúdio de renome a usar o Kick Starter, os caras deviam ter aproveitado melhor essa oportunidade para conseguir mais publicidade. Quer um exemplo, a iniciativa "Kick it foward" do Brian Fargo. O Kick it foward consiste em, depois de ter seu projeto financiado no Kick Starter, colocar 5% do lucro gerado pelo jogo de volta em projetos deste site de financiamento coletivo. Nossa, parece uma ideia super supimpa! E é. Só que não é só isso, também é uma iniciativa geradora de publicidade numa escala de grandeza fora do comum.
Voltando ao Double Fine, eles estão perdendo a chance de se projetar ainda mais. Entre de novo na página de todo o material que eles possuem disponível. Olhando somente o documentário, que é feito em partes liberadas periodicamente, analise comigo a publicidade que eles perderam não liberando este conteúdo ao público: são 24 vídeos com 24 títulos diferentes; temos mais de 87 mil pessoas que deram apoio ao projeto só quando ele estava no Kick Starter e, provavelmente, elas viram cada um desses vídeos. Se estes vídeos fossem liberados no You Tube, a chance de um deles aparecer no início das páginas de pesquisa sempre que um termo presente em qualquer um dos títulos fosse buscado seria enorme.
Não estou falando para eles liberarem tudo (o que não faz sentido), mas se o conteúdo relacionado à produção do BA tivesse acesso livre, acredito que o estúdio seria o maior beneficiado. Infelizmente não é isso que acontece, e eu, bravo, deixo a pergunta: se você conseguiu fundos para o seu projeto de maneira alternativa, por que, então, agir igualzinho a uma distribuidora? Será que isso vai se repetir no novo projeto?